sábado, 22 de setembro de 2007

Sejamos bobos

O BOBO
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Alguns conhecidos foram embora do Brasil. Sempre pela mesma razão:— Não dá mais para viver aqui e esperar um futuro digno. O Brasil já era...
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É claro que não concordo com eles. Abandonar o barco não está nos meus planos. Mas eles cansaram de lutar, de se decepcionar, e decidiram construir seu futuro em outros lugares. Tenho que respeitar essa decisão. E nenhum deles, até o momento, se mostra arrependido. Na verdade, até me chamaram de bobo...
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Outro dia eu tentava classificar esses amigos. São refugiados. Mas refugiados do quê? Políticos?Não. Já passou esse tempo. Religiosos? Não. Não temos no Brasil essa intolerância religiosa. Econômicos? Será? Não. Não acho que se aplique.
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E então recebi um e-mail de um leitor, o Walter Schütz, que sanou minhas dúvidas. Olha só:“ Estou pensando seriamente em pedir outra nacionalidade, depois do Renan, e de ouvir do teu presidente mais de uma vez que ninguém tem mais identidade moral no país que ele e o PT. Se este é o parâmetro, e como me considero diferente deles, resta-me apenas achar um país onde a ética não tenha sido afrontada como o foi no Brasil e pedir humildemente que me aceitem como refugiado ético.
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Refugiados éticos. Genial! Descreve com precisão a situação em que se encontram meus amigos.
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Veja só: eles tinham empregos bons no Brasil. Os filhos estavam em boas escolas, as famílias viviam decentemente, todos de classe média alta. Mas perderam aos poucos a credibilidade e a confiança no Brasil. Até um dia perder a esperança.
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Quando perdemos a esperança, morremos um pouquinho. Ou um montão. Certamente os últimos acontecimentos relacionados ao julgamento de Renan Calheiros convertam mais alguns milhões de brasileiros – que ainda tinham alguma esperança – em céticos que não acreditam em mais nada. E que são tão perigosos quanto os que acreditam em tudo. Mas fazer o quê diante desse descalabro, dessa impunidade, dessa zombaria, dessa soberba, dessa empulhação toda?
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Eu me inspiro em referências.
Por exemplo, em César Zama que, em 1890, durante a elaboração da primeira constituição republicana, defendeu o voto universal para que as mulheres pudessem participar da política. Outros abnegados foram aderindo e um dia, em 1933, as mulheres ganharam o direito de votar. Mas tudo começou lá atrás, com a ação individual de um não-cético. Que deve ter sido chamado de bobo.
Depois me imagino no minúsculo município de Abreu e Lima, Pernambuco, em março de 1983. Alguns membros não-céticos do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) no município organizam uma pequena manifestação pedindo eleições diretas para Presidente da República. O movimento cresce até chegar, no dia 16 de abril de 1984, ao Vale do Anhangabaú em São Paulo, onde mais de um milhão e meio de pessoas gritam pelas “Diretas Já”. O resto você sabe.
E tudo começou com meia dúzia de não-céticos em Abreu e Lima. Que devem ter sido chamados de bobos.
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Repare: as grandes mudanças sempre acontecem a partir da iniciativa de poucas pessoas. Que a maioria cética ou ignorante chama de “bobos”. São conspiradores aqui, formadores de opinião ali, indignados acolá, altruístas alhures, gente que começa lutas impossíveis e vai aos poucos influenciando os demais. São os mais ativos que convencem os menos ativos.
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Não posso imaginar nada mais triste do que um país que produz “refugiados éticos”. Gente que não foge da guerra, não foge da fome, não foge da perseguição política, não foge de pestes nem de desastres naturais. Foge de uma miséria que a maioria nem percebe que existe.
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Mas talvez isso seja bom.
Quem sabe nossos refugiados éticos, lá de longe, nos ajudem a colocar este país nos trilhos? A partir de sua experiência em sociedades onde a ética ainda é respeitada, nos enviando argumentos, exemplos, força e motivação.
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Serão refugiados éticos ativos.
Militantes.
Interessados em voltar para casa.
É uma idéia, não é? A luta aqui será violenta, desleal, dura e demorada.
Mas pode começar por você.
Seu bobo.
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Recebido via e-mail www.lucianopires.com.br/dlog
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Faço uma ressalva: temos milhões de refugiados econômicos, sim. Essas pessoas não tinham bons empregos (a maioria nem mesmo um mal emprego), filhos em boas escolas e, se um dia foram classe média, deixaram de ser. Gente que perdeu tudo ou quase e luta por um futuro melhor; a maioria pensa em voltar para casa, ou algo que se assemelhe a isso.
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3 comentários:

Anônimo disse...

pessoal, esse negócio de que não dá para viver no Brasil e que para se construir um futuro melhor é preciso deixar o pais é a desculpa mais esfarrapada que existe.
É óbvio que os que tinham ótimos empregos e salários elevados, também levavam uma vida bem melhor que a maioria da população e com certeza não tinham tempo para prestar atenção no que estava acontecendo com as classes menos abastadas, ou seja, a situação estava muito cômoda. Só agora que a corrupção, a falta de ética e a sujeira política está rolando descaradamente e que isso acabou atingindo essas pessoas de certa maneira e se viram com a água pelo pescoço, resolveram saltar do barco antes dele afundar. Gente, eu não quero ser o último a sair, nem apagar a luz e muito menos trancar a porta antes de ir embora! Eu quero ficar e mudar tudo isso, mas sozinho eu não vou conseguir.
Se todos que se sentirem prejudicados eticamente forem embora, a minha luta e a de muitos outros que ainda acreditam neste pais será em vão. Somos nós que temos que expurgar essa raça podre que infesta a vida pública no Brasil. São eles que devem se evergonhar e irem embora.
Ainda há chance de mudarmos isso. Talvez o benefício não chegue a tempo para muitos de nós, mas temos que pensar que lutamos para o bem estar e o futuro de que eles possam viver bem aqui, na terra onde nasceram.

Anônimo disse...

Resolvi responder lá no meu blog.
http://lilicamoraaqui.blogspot.com/2007/09/onde-voc-quer-viver.html
beijo
Lilica

Anônimo disse...

Queridos Carlos e Bob Vitrolinha (Ahhh! Agora sei bem com quem estou falando!!! rss)

Não sei se vão ou não concordar comigo..
Mas penso o seguinte....

Fui educada aprendendo, não em livros ou filmes na TV, mas sim vivenciando que caráter, respeito e honestidade são valores imprescindíveis a todos!
Desde sempre aprendi que trabalho traz orgulho e dignidade às pessoas, homens ou mulheres, pobres ou ricos!
E a partir destas posturas fui seguindo minha vida!

Tendo dentro de mim esses princípios tive a oportunidade de viver coisas incríveis. Conheci, convivi e acabei criando elos com pessoas belíssimas que saíram das FEBEMs da vida, do mesmo modo que me foi possível ser amiga de pessoas com condições de educação, cultura e mesmo financeiras muito superiores às minhas, todas extremamente dignas.
E assim era o Brasil para mim... De diferenças, é verdade, mas feito de pessoas que acreditavam ser possível viver e querer ver corrigidas, ou pelo menos minimizadas, tantas divergências!!!

Nunca pensei em sair do Brasil a não ser como turista, que claro, é e sempre foi o sonho de quase todos! Talvez até, por acreditar que todas esses problemas em algum momento poderiam vir a melhorar, ou mesmo deixar de existir. Seria apenas uma questão de tempo e empenho de cada um, na sua área de atuação, na educação de seus filhos, nas relações com os amigos etc. ..

Hj já não acredito mais em nada disso e nem que haja solução para os problemas que a sociedade brasileira enfrenta. Tudo e todos os discursos e práticas, especialmente no âmbito das políticas, levam ao acirramento das diferenças, a desvalorização do trabalho, ao desrespeito às pessoas que tem natureza empreendedora e que possibilitariam/trariam oportunidades ao país e ao seu povo, a falta de justiça e por aí vai!

Venho acompanhando, um a um, amigos falindo ou, quando ainda há tempo, abandonando seus projetos e sonhos. E olha, que vários deles, com garra e determinação impressionantes, ainda tentam reconstruir seus caminhos com toda dignidade, pois não sabem viver de outro modo. Não vejo mais paixão e dedicação em muitos dos “jovens”, por nada. Se muito, fazem as coisas por pura sobrevivência ou apenas visando a grana rápida.

Vivemos no mundo do EU!

Hj EU afirmo que desisti sim de acreditar ser possível uma mudança. E se EU pudesse (e não posso de modo algum) largaria tudo e iria viver de outro modo e, provavelmente, em outro lugar, já que uma coisa é certa, não sei viver nas condições em que essa sociedade entende hj ser correta.

Acho o Br lindo e mais linda ainda a alegria e integração natural que temos. Mas isso já não é mais suficiente e me falta sim “brasilidade”. Não acho que seja possível qq tipo de movimento ou manifestação ou organização que nos impeça:
- de ter a política porca e coronealista a que estamos submetidos há anos, e que em muito interessa a grande maioria das pessoas deste país (pobres ou ricas);
- de ter esse "modo" de sobrevivência que nos faz, por exemplo, sermos conhecidos como o país do turismo da prostituição;
- de estarmos “compartilhando” essa falta de caráter geral, encontradas em todos meios (de baixo ao alto)...
- de estarmos presos a uma sociedade que acredita que trabalhar é coisa para os idiotas; que ter seu negócio/empresa é coisa de bandido, não importando quantas possibilidades aquilo pode gerar para o país, com risco apenas para o idiota (e aí sim temos um idiota), que por plena idiotice foi mais ousado; ver apenas os verdadeiros bandidos defendidos, protegidos e respeitados; e aqui a lista vai longe!!!!!!!!!!!!

Podem falar que nesse aspecto estou no maior baixo astral... É a mais pura verdade!
Mas como tenho lá meu lado bem “Polyana”, quem sabe não estou completamente errada!

Beijos
Lucila