sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Os porta-vozes

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Já alertava o escritor William James que “Quando você tem que fazer uma escolha e não a faz, isso por si só já é uma escolha”. O podcast da semana é dedicado às escolhas. Às pessoas que são capazes de se distanciar do “grande rebanho” e dar sonoros “SIM” e “NÃO”. Sim ao gosto individual! Sim ao risco! Não ao conformismo! Não ao gosto da maioria!

O pano de fundo é a história do Aquiles Priester, um amigo que tornou-se um dos maiores bateristas do mundo a partir de uma escolha arriscada.
A trilha sonora passa por Luiz Tatit, Angra, Marisa Monte e o maluco beleza Raul Seixas. Acesse em http://www.lucianopires.com.br/cafebrasil/podcast .

OS PORTA-VOZES

No programa do Jô a senadora petista Ideli Salvatti, perguntada sobre a incoerência do PT, que sempre combateu a CPMF e agora a defende, respondeu que é assim mesmo, que a oposição tem que dificultar. Mesmo contra os interesses do país... Enquanto falava, Ideli ostentava aquele sorriso sarcástico dos que só têm compromisso com o cinismo.

Ideli é uma porta-voz. Faz parte de uma máquina empenhada em dividir o Brasil em dois e colocar um lado contra o outro, espalhando a discórdia, a inveja e o ódio. Tudo em nome da “justiça social”. Já vimos esse filme na Alemanha, China, Vietnan e em tantos outros países onde grupos iluminados decidiram que sabiam como tornar a sociedade mais justa. O resultado foi um punhado de mortos. Só uns 200 milhões...

Quando eu tinha nove anos, um de meus melhores amigos era o Bóia, meu vizinho, filho de uma família de japoneses cujo pai era mecânico de automóveis. A família morava nos fundos da oficina, uma autêntica “boca de porco” – como a maioria das oficinas no começo da década de sessenta. Eu era de classe média – o equivalente à classe B de hoje – com pai executivo e mãe professora. O Bóia era o que hoje consideramos classe C. E éramos excelentes amigos. Eu vivia na casa dele. Não me lembro de jamais ter algum problema pela diferença de classes.

Me lembro também de nossa empregada, a Maria. Sua família vivia na roça em Jacuba, próximo a Iacanga, perto de Bauru. E lembro-me de ir com ela passar o final de semana por lá, dormindo na casa humilde, almoçando e jantando com eles. E eu era o filho do patrão. Nenhum problema.

Na escola eu dividia a sala de aula com garotos de todas as classes sociais. A percepção do Brasil que me acompanhou durante aquele período de infância e juventude foi a do país cordial, tolerante, bem humorado e com um futuro brilhante. E mesmo com todos os problemas de país subdesenvolvido, era um Brasil feliz. Essas lembranças representam um ideal de país que já vivi, mas que parece não existir mais.

Recentemente, saindo com a família de um jantar numa churrascaria, comecei a conversar com um dos manobristas sobre futebol e política, enquanto aguardava o carro. Um papo natural, bem ao estilo dos brasileiros. Aquele manobrista sabia que eu havia gastado o equivalente a seu salário mensal no jantar. Mas naquele momento éramos apenas dois brasileiros conversando animadamente. O abismo social não impedia a cordialidade e o respeito entre nós.
A mesma cordialidade e respeito que existia entre eu, o Bóia e a Maria.

Mas a turma que se intitula “porta-voz” dos oprimidos não admite essa cordialidade. Nas situações que descrevi, nunca vê dois brasileiros. Vê um explorador e um explorado. Quer que eu me sinta culpado.

Uma pregação que se quer marxista, socialista, esquerdista ou revolucionária – mas que na verdade só é burra – está dividindo o país em duas classes: a “elite” e os oprimidos. E dizendo a elas que não “se misturem”. Na verdade, que se odeiem. Essa pregação doentia rotula-me de elite, dando conotação de ofensa ao termo. E diz que sou responsável pela miséria.
Para os “porta-vozes”, os miseráveis e oprimidos têm o direito de colocar um revólver na minha cabeça e levar meu relógio. E a culpa será minha.

Os “porta-vozes” são uma minoria instalada nos partidos políticos, nos órgãos governamentais, nos sindicatos, nas escolas, nas empresas, nas igrejas, em seu condomínio. Uma minoria ideologicamente confusa e míope, a serviço de uma estratégia de poder. Uma minoria capaz de mobilizações, e que acaba influenciando a maioria silenciosa...

Quem foi que deu a essa turma a licença para ser “porta-voz” do ódio? A que objetivos serve essa doutrinação? Qual é a percepção de país que esses porta-vozes lutam para criar na cabeça dos meninos e meninas de nove anos de hoje? Será aquela do Brasil cordial que eu, o Bóia e a Maria tínhamos? Ou será a do Brasil no qual devo ter medo do Bóia e da Maria e eles devem me odiar?

Dispenso os “iluminados” que acham que podem mudar o mundo. Prefiro continuar humildemente não fazendo aos outros o que não gostaria que fizessem comigo.

Se 180 milhões de brasileiros agirem assim, vamos colocar o Brasil nos trilhos. Sem precisar do cinismo dos “porta-vozes”.
Luciano Pires
http://www.lucianopires.com.br/

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