'Blade runner' chega à sua forma final após 25 anos, em caixa de DVDs com documentário
Publicada em 07/01/2008 às 08h35m
Jamari França - O Globo OnlineRIO - Já imaginou se a gente pudesse ficar frente a frente com Deus para reivindicar um maior tempo de vida? Quando o homem banca Deus em "Blade Runner", é exatamente isso que acontece. "Quero mais tempo, pai", diz o replicante Roy Batty para seu criador, Eldon Tyrell. Ao ter o pleito negado, ele mata quem o criou. O inconformismo com a morte é um grande motivador das ações humanas. No filme, os replicantes não hesitam em matar quem se mete na frente de sua busca por mais vida. No nosso mundo, os homens fazem tudo para se perpetuar em obras, riquezas, poder e descendentes, e muitos destroem qualquer obstáculo às suas ambições.
Veja o making of da cena final da morte do replicante Roy Batty
Veja cenas não usadas de amor entre Deckard e Rachael
Veja como foram feitos os efeitos especiais do filme e o cenário
Veja o making of da cena em que Batty mata seu criador Eldon Tyrell
Veja o relato de Darryl Hannah que se cortou na filmagem da sua primeira cena
Este é apenas um dos postulados do longa de Ridley Scott que volta ao mercado brasileiro em DVD triplo com um "final cut", a versão final, a pretexto dos 25 anos do lançamento do filme - que se tornou um clássico com o tempo graças ao lançamento em video cassete e, depois, em DVD, como diz um dos produtores em depoimento no documentário "Dias perigosos", um making of de três horas e meia que ocupa todo o terceiro DVD (no site Google, a busca "blade runner - the movie" tem 765 mil ocorrências).
" A luz que brilha duas vezes mais se consome na metade do tempo "
O pacote inclui ainda as três versões já exibidas de "Blade Runner": o original americano e a versão internacional (mais violenta), lançados em 1982 com a narrativa feita por Harrison Ford e o final feliz. E a versão do diretor, lançada em 1992, mais fiel ao clima urbano-dark-futurista do longa, sem a narração e sem o final feliz.
A versão final tem imagem e som remasterizados e a correção de algumas falhas sempre apontadas pelos especialistas na obra. Finalmente, a pomba que voa na hora da morte do replicante mor Roy Batty (Rutger Hauer) tem um céu cinzento ao fundo, em vez do destoante céu azul das outras versões; os fios do guindaste que levantava o carro de polícia foram removidos; o chefe de polícia, Capitão Bryant, finalmente fala o número certo de replicantes que entraram clandestinamente na Terra, cinco, em vez de seis como antes.
A cena do unicórnio, que só entrou na versão do diretor, foi remontada com material arquivado e melhor qualidade. A morte sensacional da replicante Zhora (Joanna Cassidy), correndo através de várias vitrines enquanto é atingida pelas costas por tiros do blade runner (caçador de replicantes) Deckard (Ford), foi feita com um dublê nada parecido com ela. Joanna foi chamada para fazer algumas cenas com fundo azul aplicadas na seqüência.
Não há novas cenas, uma decisão sábia de Ridley Scott, porque dois filmes antológicos em que os diretores fizeram acréscimo pioraram, caso de "Apocalypse now", ou não apresentaram diferença, caso de "Guerra nas estrelas", a primeira série.
O ano é 2019 numa Los Angeles sombria e sempre assolada pela chuva, onde restam os que não conseguiram migrar de uma Terra destruída por guerras e poluição. Estes cenários foram construídos nos estúdios da Warner em Hollywood, mas o orçamento apertado fez com que Ridley optasse por rodar apenas de noite, acrescentando a chuva para tornar o clima mais opressivo. Para compor o cenário, ele acrescentou artefatos de neon, todos eles com motivos abstratos ou linguagem oriental para que o espectador não tivesse a atenção desviada pela leitura. Foram 400 neons coloridos no valor de 100 mil dólares. Um que aparece atrás de Deckard no começo do filme indaga "qual a nossa origem?" em línguagem oriental, uma pergunta que tem a ver com o tema do filme, de criação, controle e destruição.
" É uma pena que ela não vá viver, mas quem vai! "
Deckard, um blade runner aposentado, é convocado para eliminar, a princípio, quatro replicantes que se infiltraram na Terra - onde sua presença é proibida - por motivos desconhecidos. Depois ficamos sabendo que o desejo dos replicantes é estender sua vida além dos quatro anos programados em sua concepção. Eles são produtos vendidos pela Tyrell Corporation, cujo dono Eldon Tyrell (Joe Turkel), diz no filme que o negócio dele é comércio e o "tempo de vida" de quatro anos dos replicantes, fabricados em vários modelos, é um tipo de obsolescência planejada para manter os negócios. Mas os Replicantes Nexus 6 desenvolveram seu aspecto humano além do planejado e, como os humanos, querem viver mais.
A caçada implacável de Deckard aos replicantes, incluindo o confronto final com o mais forte deles, Roy Batty, leva este último a perceber que a condição humana é de total insegurança e medo, daí seu monólogo que fala em ser terrível viver acuado pelo medo. Os dois maiores momentos do filme são o encontro de Batty com Tyrell, quando o criador do replicante diz que nada pode fazer para que ele viva mais e lhe diz: "A luz que brilha duas vezes mais se consome na metade do tempo". Na hora da morte, Batty diz a frase que ficou a mais conhecida e que foi inventada pelo ator Rutger Hauer num ensaio: "Todos esses momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva. Hora de morrer". No documentário, revela-se uma concepção original de que Tyrell seria um replicante e que o verdadeiro estaria morto numa cripta no topo da pirâmide da empresa, mas isto nunca foi filmado.
Ainda no documentário está uma fala deletada de todas as versões, por deixar mais explícito que Deckard é um replicante. No final, após a morte de Batty, o policial Gaff aparece e diz duas frases. "Você fez um trabalho de homem, senhor. Mas você tem certeza que é um homem?". E, a seguir: "É uma pena que ela não vá viver, mas quem vai!", uma referência à bela replicante Rachael (Sean Young), por quem Deckard se apaixonou.
Vinte e cinco anos e quatro versões depois, ''Blade runner'' finalmente está pronto.
Um comentário:
Depois de 25 anos nada permanece igual.
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