sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Escrever, escrever

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QUEM ESCREVE

Todo escritor vive com um frio no estômago. Nestes tempos internéticos, o frio aparece no momento em que apertamos a tecla “enter” e lançamos nossos escritos ao mundo. Em segundos milhares de pessoas estarão lendo o que escrevemos. Nossas idéias serão apreciadas, desprezadas, amadas, odiadas, encaminhadas. Seremos julgados. Pessoas tirarão conclusões sobre nossos valores e convicções com base no que entenderem de nossos textos. E nunca sabemos por antecipação como nossos escritos serão entendidos.
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Como a internet é a grande revolução das comunicações, em minutos começamos a receber os comentários dos leitores. Mas é difícil, viu? Tem que ter os pés no chão e uma imensa auto-estima.
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Quer um exemplo? Veja o e-mail que recebi esta semana, de um sujeito que não conheço:
“Boa noite Luciano Pires...! O que penso do que escreves... Eu acho você um babaca atrasado e vive num mundo irreal, inesistente na tua fantasia... Segundo a tua própria visão... Eu não gasto tempo escrevendo babaquisses. Gastei agora. Luzardo”.
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Como você reagiria? Imediatamente preparei-me para redigir um e-mail dizendo que um analfabeto funcional que escreve “inesistente” e “babaquisses” não pode mesmo gostar de meus textos. Mas lembrei-me de um ensinamento budista: devemos tratar elogios e críticas como presentes. Se você recebe um presente, mas decide não aceitá-lo, o que acontece? A pessoa que o entregou leva de volta...
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Escolhi não aceitar o “presente” do tal Luzardo. A energia que eu gastaria para contestar o sujeito é a mesma (ou até maior) que gasto agora, ao escrever para vocês. Escolhi o mais produtivo. Deletei o e-mail e segui meu dia. Em seguida recebi outro e-mail, dessa vez era um ex- colega de trabalho: “Luciano, que saudades de quando trabalhávamos juntos. Aprendi muito com você, obrigado. Abraço. Edney”
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Esse e-mail eu aceitei como um presente que me energizou, motivou e iluminou. Até mesmo para escrever este texto.
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Lembrei-me então de uma amiga contando que recebeu chamadas de um número desconhecido no celular. Ligou de volta, uma senhora atendeu e afirmou que deveria ser engano. No momento de desligar a senhora disse para minha amiga: “Espera! Você é muito simpática e preciso te dizer algumas coisas”. E começou a dizer que minha amiga – a quem ela não conhecia - era uma pessoa boa, veria seus sonhos seriam realizados, teria um ano especialmente bom, que tudo daria certo para ela e para sua família. A mulher desligou e minha amiga disse tudo: “Foi tão legal!” Ela ficou com uma sensação agradável ao receber tantas mensagens positivas de alguém que ela não conhece.
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Fiquei curiosíssimo. Quem seria aquela estranha que liga para números que não conhece e de graça, sem pedir nada em troca, sem nenhum interesse, diz coisas boas? É uma espécie de teleanjo interessado em surpreender com o bem numa sociedade onde a regra é surpreender com o mal.
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Aquela mulher, como os leitores da internet, tem o poder de conectar-se com outras pessoas e oferecer-lhes um presente. Entre o elogio e a crítica, ela escolheu o elogio. E mudou o dia de minha amiga...
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A interação proporcionada pela internet está criando um novo tipo de escritor, exposto – sem intermediários, filtros ou proteções – aos comentários dos leitores. E isso é muito novo. Como outros escritores, também estou aprendendo a escrever nesse novo ambiente. E questiono: será que os leitores também estão aprendendo? Têm consciência de seu poder? Sabem o que é e para que serve um crítico?
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Ezra Pound, poeta, músico e crítico estadunidense pré-internético é quem melhor definiu essa questão, ao dizer uma daquelas frases definitivas:
“O mau crítico se identifica facilmente quando começa por discutir o poeta e não o poema.”
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Muito bem. Deixa eu escolher pra quem vou mandar um presente.

Luciano Pires
WWW.lucianopires.com.br

O podcast da semana homenageia São Paulo da garoa. Mais uma homenagem? É. Mas essa eu acho que você devia ouvir. Acesse em www.lucianopires.com.br/cafebrasil/podcast
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