Nova safra de imigrantes declara seu amor pela cidade e começa a deixar suas marcas na capital paulista
SÃO PAULO - Depois de seis meses fazendo um curso de pós-graduação em São Paulo, o médico boliviano Fredy Roberto Vargas, ligou para a mulher na Bolívia e disparou: venda tudo, inclusive o consultório, e mude-se para o Brasil. O médico tinha se encantado por São Paulo, uma cidade, na visão do casal, com tecnologia, gente jovem, lazer e opções de trabalho, diferente de La Paz, uma fria cidade a 4 mil metros de altura. A mulher dele Marlene Valencia de Vargas, de 54 anos, não titubeou e desde 1983 ambos estão instalados na capital.
A também boliviana Alicia Flores de Orellana, de 55 anos, achou São Paulo tão mais limpa e organizada que Buenos Aires e as pessoas tão hospitaleiras e respeitosas que está na cidade há 21 anos. Fechou seu restaurante na Bolívia e veio com o marido, taxista. Quis montar um restaurante aqui, mas achou caro e não tinha capital. Seu destino foi o mesmo dos cerca de mil bolivianos que todo mês desembarcam em São Paulo: trabalhar numa confecção. Hoje, ela é dona de uma loja de alimentos e cereais típicos da Bolívia e vende para seus patrícios. Ela nem pensa em retornar.
" A comida é parecida com a da Nigéria. Tem até inhame, que adoramos "
Para o nigeriano Adekunle Aderonmu, de 45 anos, há 17 morando em São Paulo, na hora de imigrar, a principal referência da cidade foi a Universidade de São Paulo, um centro de excelência na América Latina. Ele ganhou uma bolsa do governo da Nigéria e veio para fazer pós-graduação em Bioquímica. Hoje coordena o Centro Cultural Africano, na Barra Funda, um local que quer ser a referência dos imigrantes africanos por aqui. Casou com uma nigeriana e tem quatro filhos paulistanos. Hoje dá aulas do idioma yoruba, além de consultoria para professores da rede pública sobre cultura africana. Tinha uma situação tranquila na Nigéria, mas resolveu ficar.
- São Paulo é o melhor lugar para se viver do mundo. Cada um cresce de um jeito nesta cidade - declara-se.
Para ele, a maior dificuldade foi a língua, mas a comida na capital paulista o fisgou pelo estômago.
- É parecida com a da Nigéria. Tem até inhame, que adoramos - diz.
No aniversário de 456 anos de São Paulo, essa nova safra de imigrantes, que se instalou nos últimos 20 anos, declara seu amor pela cidade.
- Sabemos que tem violência, mas não vejo São Paulo com uma cidade violenta - afirma Aderonmu.
Ao lado dos coreanos, um dos grupos de novos imigrantes que cresceu na cidade nos últimos anos, bolivianos e africanos vieram em busca de melhores empregos e qualidade de vida. Na Bolívia, a crise econômica dos anos 80 fez o poder de compra da população desaparecer.
" Sabemos que tem violência, mas não vejo São Paulo com uma cidade violenta "
- Tínhamos carro e casa própria na Bolívia, mas o salário não dava para nada. Em quatro anos, tivemos uma inflação de 28.000% - conta Marlene Valencia.
Estima-se que os bolivianos cheguem a 250 mil na cidade. A grande maioria está trabalhando em confecções. Uma parte - cerca de 10% - acaba sendo explorada pelos próprios compatriotas, trabalhando 15 horas por dia e ganhando muito pouco.
- Fiquei cinco anos na costura. Trabalhava mais de 15 horas por dia, mas não era trabalho escravo. Quanto mais costurávamos, mais recebíamos. Na Bolívia, só trabalhávamos muito, mas o salário era pouco. Depois comecei a importar produtos e hoje sou dona de comércio - conta Alicia.
Assim como ela, há outros bolivianos que já viraram comerciantes ou prestadores de serviço no bairro do Pari. Raul Uria, por exemplo, montou um salão para cortar cabelos e boa parte da clientela é de bolivianos. Ele anuncia seus serviços no idioma de origem e na placa do salão está escrito: Sallon de Belleza.
Diferente do nigeriano Aderonmu, a maior parte dos africanos que aporta em São Paulo vem como refugiado político, fugindo de conflitos étnicos na África. Como a Europa está dificultando a imigração africana, o Brasil virou um dos destinos desse grupo. Muitos chegam ao país em porões de navios e vêm em busca de oportunidades em São Paulo. São principalmente da Nigéria, Costa do Marfim, Senegal e República do Congo.
- Aqueles que imigram em condições melhores dão aulas de inglês e francês. Muito fazem trabalhos técnicos, como mecânico - diz a advogada Ruth Camacho Kadluba, da Pastoral do Migrante, que fez um estudo sobre os novos grupos de imigrantes de São Paulo.
Ela lembra que alguns poucos africanos que não conseguem colocação profissional acabam sendo aliciados como mulas do tráfico de drogas para a Europa.
A advogada afirma que entre os coreanos, estimados em 50 mil no país, 90% deles em São Paulo, a maior parte também trabalha com confecções. No bairro do Bom Retiro, por exemplo, os coreanos substituíram os judeus no negócio de roupas.
SP já tem bairro boliviano e coreano
Assim como o Bixiga e a Mooca ficaram marcados como os bairros dos imigrantes italianos e a Liberdade o lugar dos japoneses na cidade, a nova safra de imigrantes que chega a São Paulo também começa a imprimir suas marcas.
No Pari, mais de 2 mil bolivianos se reúnem todo fim de semana na Praça Kantuta. Ali, uma feira de produtos bolivianos atrai os imigrantes e os paulistanos curiosos. Vende-se artesanato e comidas típicas como o anticucho, o coração de boi no espeto. Há casacos de lã de lhama e até DVDs de programas bolivianos nas barracas. O local virou uma espécie de 'bairro boliviano'.
No centro de São Paulo, mais precisamente nas Praças da República e na Avenida São João, os africanos também estão visíveis vendendo artesanato; são máscaras tribais (entre R$ 60 e R$ 100), colares, roupas coloridas. Na Avenida São João, os africanos frequentam bares e são vistos em maior número, embora não se saiba exatamente quantos são na cidade. E um passeio pelo bairro do Bom Retiro revela lojas com placas em coreano, mercados que vendem produtos importados de Seul e escolas do idioma. A língua falada ali é o coreano.
- São Paulo é um bom país - diz Rasaq Shodiya, um nigeriano de 50 anos, que mora há 17 anos em São Paulo e ainda se confunde com o português.
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